domingo, 1 de abril de 2012

O palhaço

Ser a alegria da festa não é fácil.

Mentira. Ele era qualquer coisa, menos a alegria da festa. Ele só trabalhava lá. Pior de tudo era ter que fazer essas festas no fim do mundo, com sequer um lugar para se trocar... Resumindo: tinha que se preparar em casa, e sair no trânsito já fantasiado. Em dias de calor era um inferno: suando, a maquiagem escorrendo, tinha que andar com as janelas abertas. Aí já viu, né? Ladrão não perdoa nem palhaço mais. Já tinha sido roubado algumas vezes nos semáforos. Ah, se pudesse comprar um carro com ar condicionado...


Em dias como aquele ainda conseguia contornar isso, não fazia tanto calor, poderia fechar os vidros. Mas sentia as pessoas apontando para ele no trânsito, e as buzinadas eram constantes. Quando parava no semáforo, então, as mães se debruçavam pela janela do carro para dar uma batidinha na janela do seu carro (já que ele ignorava as buzinadas), e pediam: "moço, faz uma palhaçada pro meu filho? Olha, Luan, o palhaço! Presta atenção". Às vezes ele dava um sorriso amarelo e voltava a olhar para o semáforo, esperando, rezando para que ele abrisse logo e acabasse com seu martírio. Às vezes nem o sorriso ele dava. E quando eram as crianças que quase pulavam pra fora do carro ao vê-lo? O que esses pais tinham na cabeça de deixar essas praguinhas soltas, vidro aberto, no banco de trás? Nessas horas ele se permitia um pouco de diversão, fazia umas palhaçadas e as crianças riam, e de dentro do carro, com os vidros fechados, ele dizia:

- Aê, filhadaputa, vai rindo, vai! Futuro maconheiro, filhinho de papai, dá risada, com esse jeitinho de viado vai dar bastante o furico lá na frente, hein? Chupador de rola do caralho!

E seu dia ficava ligeiramente menos pior.

Ah, e os pais na festa! Os adultos em geral o fascinavam, pela total falta de bom senso! O palhaço tentava, de todas as maneiras, alegrar as crianças, com suas brincadeiras para CRIANÇAS. Sempre tinha um imbecil para dizer "esse palhaço não tem graça", "só conta piada velha", "quanto é que você pagou pra contratar esse cara?" e outros desaforos que ele engolia seco. Pior de tudo é que o pagamento nem era tão bom assim, pra jogar na cara dele que estava ganhando bem. Contava com cada centavo para não entrar no vermelho, e vira e mexe apelava pro jantar na casa da mãe para economizar. Ela sabia o motivo real, que não era uma visita para matar a saudade (saudade quatro vezes por semana?); ele sabia que ela sabia, mas não se tocava no assunto e estava tudo bem assim.

Depois de tantos devaneios, ele chegou. Era fim de tarde e o pequeno restaurante já estava cheio. Ao entrar, todos ficaram surpresos: "um palhaço aqui?", "artista de rua pedindo dinheiro até em restaurante?". Com sua voz teatral, empostada, de anos e anos de picadeiro, anunciou solenemente:

- Senhoooooras e senhôres, crianças e adultos, ricos (vocês) e probre (eu): não queiram levantar-se, pois não tomarei muito de seu tempo. Na verdade, tomarei-lhes somente alguns de seus pertences, pois ISSO É UM ASSALTO. Não reajam, não façam movimentos bruscos e ninguém sairá machucado. Depois eu dou uma cambalhota para fazê-los rirem.

Empunhando sua arma, gargalhou alto enquanto coletava celulares, carteiras, relógios e jóias. Gargalhou como não fazia há tempos.

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